Imagem – Foguete, de Pedro Henrique Chaves
A partir da temática Vertentes da Criação, um dos desejos da curadoria da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes evidenciava o interesse em compreender como a imaginação estética poderia se desdobrar nos exercícios de imaginação política. Manifestado nos sonhos, nos mitos, nos ritos, nos arquétipos ou nas fantasias da infância, o exercício de imaginar se fundamenta nas imagens que atravessam nossas mentes, tornando-se presentes antes mesmo de que possamos inscrevê-las na forma de linguagem.
Em dois filmes que integraram mostras distintas durante a mostra, o exercício do imaginar vem acompanhando de uma busca por atravessar ritos de passagem e por prospectar outras possibilidades de vida. Foguete, de Pedro Henrique Chaves, integrou a Mostrinha, enquanto 4 bilhões de infinitos, de Marco Antônio Pereira, participou da Mostra Foco.
Voltado para o público infanto-juvenil, a história de ‘Foguete’ acontece no ambiente urbano (mais precisamente em um parque), em que pai e filho chegam para que este se divirta com outras crianças. Nesse espaço, Marcos, o pai, começa a conversar com Bia, uma menina que começa a falar descontraidamente com o sujeito sobre o grande foguete de metal que fica no meio do parque.
No meio das conversas, o pai começa a lembrar dos momentos em que César [ele mesmo quando criança] subiu no foguete junto com outras crianças e, com medo, ficou preso sem conseguir descer. Nessa mescla entre passado e presente, a trama toma o lugar da brincadeira como um lugar que nos faz criar grandes medos e, ao mesmo tempo, revisitá-los e, talvez, superá-los. Na imaginação pueril da infância, o foguete se compreende como um elemento de grandes proporções que sobe rumo a viagens ao desconhecido (o espaço).
Nessa trama, no entanto, o grande desafio consiste em descer. O foguete de brinquedo se torna palco dos traumas que estão na mente daquelas crianças a quem foi cobrada coragem e ignorada a possibilidade da covardia, de quem se esperava a ação ao invés da inação. O exercício de imaginar, aqui, conduz, necessariamente, a um imaginar(-SE), criar uma imagem de si atravessando um desafio, um obstáculo, em um caminho que conduz a outro ponto.
Voltado para o público adulto, ‘4 bilhões de infinitos’, por sua vez, se mostra um trabalho em que o exercício de imaginação que se encerra dentro dele mesmo, pois não conduz necessariamente a uma completude ou ao atravessar um desafio. Na história, após a morte do pai, uma família vive com a energia de casa cortada. Enquanto a mãe trabalha, seus filhos ficam em casa conversando sobre ter esperança.
Tudo no filme de Marco Antônio Pereira aposta na singeleza, no olhar perspicaz diante da poesia miúda, com sabor de terra e cheiro de um quintal pouco cortado. Um menino pega um projetor de audiovisual da escola (que ele chama de ‘cinema’) e, junto com sua irmã, imaginam como poderia ser sua vida no futuro.
Sem energia elétrica, eles não conseguem assistir a nenhum filme concreto, mas, diante da tela branca, certamente, veem a infinitas imagens. Desta forma, conseguem visualizar, mesmo que fugidiamente, todas as vidas e futuros possíveis que podem conquistar. Contudo, diferente de ‘Foguete’, esse curta aposta na imaginação sempre como potência para avançar os obstáculos e não necessariamente na travessia completa dos traumas.
No cotejo entre esses dois curtas, a conexão deles dentro da Mostra de Cinema de Tiradentes aposta no exercício pueril do imaginar como uma potência de elevação e superação de si. Na relação consigo e com o outro, imaginar junto implica ação, criação, comunicação.
Para a superação de uma subjetividade capitalizada, industrializada e serializada, o caminho para uma imaginação política concreta demanda a construção de comunidades e laços que nasçam dos mesmos afetos – tanto aqueles que nos elevam como aqueles que nos destroem. Em ‘Foguete’ e ‘4 bilhões de infinitos’, pouco importa se os traumas parecem miúdos e individuais (como descer de um brinquedo gigante) ou políticos e coletivos (uma situação financeira precária após a morte de um familiar). Em ambos, a força de uma superação concreta e contínua acontece por meio do contato, do compartilhamento, do exercício de estar lado a lado, mesmo que não se saiba por qual caminho prosseguir.