Críticas | Anarriê (SE, 2023, Neto Astério)

Críticas | Anarriê (SE, 2023, Neto Astério)

A dança que transita entre planos

Por Geovanna Farias (São Luís/MA)

Em Anarriê, curta-metragem dirigido por Neto Astério, vemos as saias das mulheres girando, as rodas sendo formadas pelos dançarinos e todos em formação de maneira sincronizada. Enquanto a dança acontece, Neto desloca a câmera de forma tão ágil que transita por toda a coreografia, permitindo que o espectador capte todos os movimentos. Com a câmera sempre acompanhando os passos ao redor, o filme traz uma sensação de proximidade com o tema central: a cultura das quadrilhas juninas.

A maneira como Neto faz a experiência de assistir ao curta mais imersiva é por meio dos movimentos de câmera, que nos permitem acompanhar a dança em ação. O plano da câmera nos faz seguir cada movimento dos corpos em cena, permitindo ao espectador visualizar a dança como um todo. É como se nós, os espectadores, estivéssemos ao lado dos dançarinos, sentindo a energia transmitida pela tela. Como se fôssemos, junto de Renan e Alana, mais dois dançarinos, girando e se movimentando em conjunto com a quadrilha.

Neto traz em seu trabalho o processo de preparação antes da quadrilha entrar em cena: as maquiagens rápidas, os últimos ajustes e a ansiedade dos dançarinos. Essa escolha de mostrar o que ocorre nos bastidores faz com que o espectador perceba as dificuldades envolvidas, como a luta para encontrar tempo para ensaiar, além de equilibrar essa prática com o trabalho diário.

Com isso, Neto Astério é capaz de fazer o espectador não apenas observar cuidadosamente, mas também adentrar e compreender os sentimentos daqueles que dançam a quadrilha nordestina. Por exemplo, Alana, em sua introdução, expressa o esforço de uma minoria para superar a falta de tempo e reunir a quadrilha. Esse sentimento é transmitido de forma clara e tocante ao público.

Em conclusão, o curta-metragem consegue transportar o espectador para dentro da cultura nordestina, fazendo-o se envolver e observar as pessoas que mantêm viva essa tradição, transmitida entre gerações. Independentemente da idade, gênero ou outros aspectos, a quadrilha sempre se destaca, sendo lembrada e praticada por quem a ama. Ao final do curta, *Anarriê* se torna a dança que transita entre planos, pois, mesmo assistindo por uma tela, a sensação é de que estivemos lá. Terminamos o filme pensando e nos perguntando: quando será a próxima dança? Quando veremos Renan e Alana novamente?

Entre risos, passos e dança

Por Mikaeli Santos Ferreira (João Pessoa/PB)

A celebração entre o novo e o velho dentro de uma tradição, o curta-metragem Anarriê (2023), dirigido e roteirizado por Neto Astério, acompanha a quadrilha junina Pioneiros da Roça em momentos de preparação e apresentação. Entre conversas, roupas coloridas, tecidos de chita, ensaios e passos, o filme é um registro de uma cultura ainda viva. Através de seus personagens, o diretor documenta um movimento que, na contemporaneidade, subverte um imaginário já fragmentado e transforma seu espaço em um lugar mais diverso, mas que continua carregando sua essência de coletividade e nordestinidade.

Por meio das figuras que se apresentam ao público, Anarriê coloca em tela uma narrativa que explora a diversidade e o acolhimento de pessoas LGBTQIAPN+ em um ambiente comunitário e familiar. As escolhas estéticas e narrativas de Astério revelam uma relação de proximidade com a temática do curta. A câmera na mão, presente durante toda a narrativa, é utilizada como uma extensão do corpo dos dançarinos e do diretor, convidando o espectador a dançar e a acompanhar o fenômeno pelos olhos de quem está captando a imagem. O movimento realizado por ele não causa a instabilidade usual da técnica, mas reflete um movimento que faz o espectador se sentir parte da quadrilha.

A montagem divide-se entre momentos dinâmicos e rítmicos e cenas de conversa, proporcionando um mergulho nas dinâmicas de convivência dos membros da quadrilha, expondo sua relação além da dança. O diretor faz um uso atrativo do som antes da imagem na abertura, aguçando a curiosidade para a história que será contada nos minutos seguintes. Entre ajustes de figurinos, bandeirolas, giros e suor, seus personagens exibem em suas feições a satisfação de dever cumprido.

Anarriê é a junção da leveza das saias e da resistência dos passos dentro de uma cultura que permanece um tesouro vívido para as novas gerações.

Suor, sangue, coragem

Por Tassi Magalhães (Sao Paulo/SP)

No contraste do aparente dia a dia de uma avenida movimentada, a câmera de Neto Astério acompanha e desvenda uma maquiagem feita às pressas, passos ofegantes, confissões e expectativas, enquanto nos conduz ao Anarriê (palavra incorporada ao português do Brasil, derivada do termo europeu/francês “en arrière” – todos para trás). Atravessando a tela da direita para a esquerda, somos levados ao local de ensaio de uma quadrilha, uma das muitas que se apresentam durante as festas juninas de Aracaju.

A câmera na mão, que segue os passos e giros dos dançarinos, por vezes pausa para ver e ouvir. Durante uma pausa no ensaio, vemos todos já sem as fantasias. É então que surge uma figura mais velha, com um sorriso no rosto, que nos mostra suas habilidades na dança.

Otrefóa” (autre fois – outra vez). A câmera dançante retorna ao meio das figuras no ensaio: Anarriê, Changê, e o espectador é rodopiado. Desse giro, somos transportados para um cenário em meio à natureza e à luz natural, onde Alana, vestida e maquiada, canta sobre o amor até receber uma ligação, um convite para dançar com as “Bandidas Sem Medo”, prontamente aceito.

Há um certo cuidado e carinho no retoque das maquiagens, nas trocas de roupa e na preparação durante e após o grande dia. Isso me lembra a confidencialidade de um quarto de irmãs ou amigas que, pelo papel social, compartilham angústias, vitórias e preocupações sobre o ato de ser e representar a figura feminina. Detalhes que somente o fazer artístico de interpretar uma dama reconhece, como o fardo de usar sapatos que machucam os pés, enquanto conformam a silhueta feminina em contraste com a masculina.

Em uma fotografia e movimentos de câmera que destacam a figura de Clemilda, percebemos a importância de sua presença para o festival de quadrilhas, tal qual um porta-estandarte de São João para seus adeptos e simpatizantes.

“Alavantú” (en avant tous – quando o mestre de cerimônias pede para os dançarinos se posicionarem). As expectativas e ansiedades descritas no início do curta são traduzidas em imagens desfocadas de rostos, pés que dançam em harmonia, brilhos e cores. A câmera dança timidamente enquanto nos apresenta o espetáculo. Em dado momento, somos apresentados à plateia. “Suor, sangue, coragem e o trabalho de poucos” sustentam uma das tradições mais amadas em todo o país.

Ao longo do curta, as escolhas fotográficas, sonoras e as próprias falas dos personagens nos fazem acompanhar os dançarinos ao redor de seus mestres de cerimônia, em uma transformação que envolve malas e papéis invertidos. “Cavalheiros e damas” da quadrilha sustentam uma tradição que, apesar de desfocada de suas origens europeias e semânticas, foi definitivamente re-enraizada neste território. Assim como a palavra, o círculo das tradições é generoso, se abre e se transforma constantemente, adquirindo novos significados e roupagens enquanto permanece vivo no tempo.

 

Textos produzidos por participantes da terceira edição do Módulo Olhar do F(r)icções – Laboratório de Ensaios de Cinema, que aconteceu de 16 a 19 de setembro de 2024, ministrado por Márcio Andrade e Sandro Alves de França. A formação contou com realização da Combo Multimídia, incentivo do Funcultura e em parceria com a Mostra de Diversidade Sexual no Sertão do Pajeú e a Xérem Produções.

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