Um Sonho em Meio à Fragilidade
Por Isis Grazielle (Contagem/MG)
Durante a vida, estamos o tempo todo pensando no futuro, em nossas realizações, sonhos e na construção de propósitos. Tudo isso visando alcançar algum conforto no fim dela: estar ao lado de quem amamos, sentir orgulho de algo e ter a sensação de que valeu a pena. É sobre isso que Nação Comprimido (2023), de Bruno Tadeu, trata. Na verdade, vai além.
Em nossa sociedade, a velhice é encarada como um período difícil. Fisicamente, o corpo se torna mais frágil, exigindo cuidados, e podemos nos tornar mais dependentes. Além disso, a velhice é frequentemente associada à inutilidade. Em tempos de produção acelerada, o corpo que não produz é descartado. Psicologicamente, esse período também pode ser visto como um tempo de solidão e medo, pois poucas pessoas compreendem o que o idoso está vivenciando. A velhice é o momento em que nos deparamos mais de perto com o fim da vida — embora possamos morrer jovens, é na velhice que isso se torna uma certeza.
Nação Comprimido é um filme potente. Com poucas locações, o curta nos envolve profundamente com seus personagens, principalmente com Dante, um idoso que não quer se aposentar. As cores do filme aparecem sem saturação — presentes, mas quase acinzentadas —, refletindo a vida de Dante. Junto com Nicolas, seu desejo é reunir seu povo, um grupo de idosos LGBTQIAP+, e, em especial, Francisca, uma mulher lésbica que vive em um asilo na cidade. Juntos, eles criaram um propósito de vida: construir um lar onde, na velhice, pudessem cuidar e acolher uns aos outros. Aqui, dois debates importantíssimos emergem.
Como parte da população LGBTQIAP+, um grupo já marginalizado, Dante e Francisca agora pertencem a dois grupos invisibilizados. É palpável o medo, o desejo por afeto e a dificuldade de Dante em lidar com sua condição de pessoa idosa. No entanto, ele também é retratado como um homem de luta, que batalhou para conquistar sua liberdade — mesmo que a luta nunca cesse. Agora, diante de mais um desafio, ele precisa lidar não apenas com o desejo de realização e propósito, mas também com as limitações de seu corpo, as memórias do passado, o medo da solidão e da morte. Ainda assim, ele luta. A raiva de Dante é uma inconformidade justa e válida.
Dante se recusa a envelhecer, e isso fica evidente não apenas em suas falas e escolhas, mas também na direção, no roteiro e na direção de arte. Um exemplo claro é o plongée que mostra Dante jogando ao chão inúmeras caixas de remédios que estavam sobre a mesa. Talvez Dante esteja dizendo “não” não apenas à velhice incontestável que o cerca, mas também aos estereótipos que acompanham essa fase da vida.
Envelhecer em uma sociedade que associa esse período à negatividade e ao medo não é simples. Muitos idosos carregam consigo o preconceito e a dificuldade de se reconhecerem enquanto velhos. Enfrentam discriminação que resulta em exclusão e falta de acesso a direitos básicos e a cuidados com a saúde.
O envelhecimento saudável deveria ser um debate mais presente na sociedade. Todos, assim se espera, envelhecerão. Muitos, carregando dores e exclusões que atravessam diversas esferas da vida, ainda assim enfrentarão o desafio de lidar com a invisibilidade da velhice. Não seria a hora de repensar esse período da vida e nossa visão sobre ele?
Dante e Francisca são antagônicos. Ela deseja descansar e encontrou no asilo a pausa que considera típica da velhice, um lugar onde finalmente não precisa se preocupar com nada. Por outro lado, Dante quer se manter ativo, mas seu propósito parece ser interrompido por sua saúde, e no fim da trama vemos um homem debilitado.
Apesar do final melancólico, que nos faz questionar se Dante foi vencido pela realidade de um corpo fragilizado, não seria isso uma provocação? O sonho de Dante vai de encontro, e ao mesmo tempo além, da própria essência de ser ou estar em um corpo idoso. Esse corpo pode ser belo e livre à sua própria maneira. Seu sonho está intimamente relacionado à sua personalidade, que permanece autêntica, viva e intensa.
A Compressão do Corpo
Por Luiz Cauê (Recife/PE)
Em Nação Comprimido, o título já desperta curiosidade, com uma combinação de palavras que, à primeira vista, parecem não ter ligação coesa ou coerente. O filme se aproveita disso para gerar uma leve confusão, apresentando com certa pressa o enredo, seus personagens, suas motivações e características.
No curta, especialmente no início, há uma sensação de agonia e urgência de existir e viver. As cenas trazem diálogos acelerados e, por vezes, exaltados, enquanto os movimentos de câmera são abruptos e rápidos. Tudo isso para compartilhar com o espectador o sentimento de urgência de Dante (Elias Andreato), que persegue seu sonho e propósito. No entanto, esses parecem mais próximos de um devaneio juvenil esquecido pelo tempo do que de uma realização concreta.
Sonhos esquecidos e o envelhecimento são temas que o curta aborda com sensibilidade. A impotência dos corpos idosos, incapazes de acompanhar a jovialidade das mentes, se manifesta de maneira distinta em cada personagem. Dante, por exemplo, parece ignorar suas dificuldades respiratórias e motoras, enquanto os outros personagens, igualmente idosos, se encontram em uma fase de aceitação de suas limitações, abandonando o antigo modo de vida e comprimindo tudo o que o corpo envelhecido, com novas necessidades, os impede de fazer.
Essa ideia de “comprimir-se” prende os personagens à materialidade de suas vidas. Por outro lado, é o “comprimido” que os liberta e permite que eles sejam o que sonham. O comprimido mágico, dourado e brilhante, aparece como algo melhor que qualquer remédio genérico, como sugerido no plano em que todos os medicamentos comuns são empurrados para fora da mesa para dar lugar ao comprimido milagroso. Contudo, a realidade se revela um remédio mais forte e amargo, expelindo qualquer forma de entorpecente.
Ao final, Nação Comprimido adota um tom melancólico, ao descartar o sonho da casa de repouso LGBTQIA+ devido à condição de saúde daquele que parecia ser o único disposto a seguir com o projeto. Isso deixa o espectador também comprimido em mágoa e tristeza.
De sombra e de luz
Por João Ferreira (São Lourenço da Mata/PE)
Há liberdade que compense o preço da conformidade? Esta parece ser a principal pergunta suscitada em Nação Comprimido (2024), curta-metragem escrito e dirigido por Bruno Tadeu. Ao longo de seus vinte minutos de duração, somos conduzidos por uma história de perda, desejo, descoberta e a constatação de que, para algumas pessoas, não é possível escapar do tempo e de suas mudanças.
Dante (Elias Andreato) é um idoso homossexual que, na juventude, participou ativamente de movimentos em defesa dos direitos LGBT e encontrou nessa luta um lugar de pertencimento. Hoje, sem a mesma articulação de outrora, mas com o senso de justiça ainda pulsante, ele busca construir uma casa de acolhimento onde seus companheiros possam passar a velhice com dignidade. A partir daí, Dante decide confrontar o sistema representado pelo lar de idosos da sua cidade, trazendo à tona o projeto de sua vida.
O impasse surge quando Dante descobre que nem todas as suas antigas companheiras de luta compartilham o mesmo desejo de se rebelar. Pelo contrário, algumas delas anseiam apenas pelo sossego proporcionado pela luz azul da televisão. Esse é o caso de Francisca (Teuda Bara), uma mulher lésbica e amiga de Dante, que está acamada. Entre furtos de medicamentos e experiências alucinógenas, o curta revela nuances de solidão, abandono e o profundo desejo de Dante de construir uma família que permaneça unida até onde for possível. O desfecho agridoce nos faz refletir sobre o fato de que, às vezes, aquilo que mais precisamos é justamente o que mais insistimos em afastar.
A câmera objetiva que orienta o olhar de Bruno pelas cenas transmite a sensação de opressão e solidão vivenciada por Dante, ao mesmo tempo em que captura planos subjetivos de grande profundidade, narrando a história de quem, um dia, esteve na linha de frente pela garantia de direitos. Os contrastes entre os espaços do lar de idosos e o abrigo idealizado por Dante funcionam quase como uma justaposição: sombra e luz; estagnação e esperança. A cena final, embora defina o destino do protagonista, sela o desejo íntimo de Dante de encontrar alguém que ainda acredite que resistir e continuar é possível. A vida, em suas reviravoltas, sempre encontra um jeito de nos presentear com aquilo que perseguimos tão ardentemente.
Talvez uma utopia possível contra a morte
Por Antonio Jorge Valério (Macapá/AP)
Nós, viventes, estamos fadados à morte; é este o nome evidente do destino ao qual todos se submetem, querendo ou não. No curta-metragem Nação Comprimido (2024, 21 min.), de Bruno Tadeu, somos confrontados de muitas maneiras com essa realidade, de um jeito simples de contar uma condição tão complexa: envelhecer, morrer e, com isso, o desaparecimento do nosso modo de estar no mundo.
Dante, o velho militante do movimento gay, é o inquieto protagonista que ainda luta e persiste no sonho da dignidade de sua condição coletiva, fazendo o que estiver ao seu alcance para criar, na forma de um lar para idosos LGBTQIA+, a Nação Comprimido. Dentre todas as barreiras que ele enfrenta, a mais dura é a de sua velha amiga Francisca, uma sapatão que já desistiu de lutar, desenhando os limites da sua felicidade nos lençóis de sua cama em um lar de idosos convencional, onde está internada. Ela habita na paz de alma daqueles que desistiram de lutar, mesmo sofrendo os preconceitos que a perseguiram por toda a vida.
Orbitando entre os dois, estão os jovens Nicolas, filho do coração de Dante e Francisca, e Romena, uma incerta habitante do caos com sua carruagem Mary Kay de alucinógenos. Eis a Sagrada (e profana) Família, composta pela reação ao preconceito e pela afirmação do afeto duradouro.
O jovem diretor escolhe, com sutil gentileza, o formato e os planos, desenhando um espaço de intimidade onde observamos o fluir e a rápida movimentação narrativa, que nos remete à rapidez com que a vida escoa, sem remissão. O uso da cor, pouco saturada, quase não se percebe como cor, como se a imagem já cinza do sonho ou a utopia da ‘Nação Comprimido’ de Dante e Francisca estivesse desbotando com a velhice.
Eduardo Galeano definiu, certa vez, com clareza a utilidade da utopia: ela está em constante movimento. Assim, quando nos aproximamos dois ou três passos dela, ela caminha dois ou três passos adiante e não nos permite alcançá-la. Sua utilidade é esta: nos fazer seguir adiante em busca da dignidade humana. Este foi o caminho colorido seguido por Dante.
Nos instantes finais, a fatalidade da imobilidade causada pela doença que atingiu nosso protagonista não entristece sua trajetória de vida; pelo contrário, no epílogo, o diretor aponta o caminho em off: “O homem que não sabia envelhecer, ou a certeza de que tudo que aconteceu até aqui foi verdade.” Restando para nossa dignidade o manto do afeto duradouro a nos abrigar, vemos Nicolas e Dante fumando diante do futuro que não vai chegar.